|
Nos dias de hoje, há aqueles que se
percebem impotentes e desanimados diante das evidências de que este
mundo assumiu valores que destroem a vida, que as relações
entre as pessoas estão mercantilizadas, desumanizadas, inseguras
e que, por mais que nos entreguemos à projetos com promessas de
liberdade, sucesso e felicidade, estaremos, sem perceber, cada vez mais
longes de nos sentirmos em paz e realizados, pois estas promessas são,
de fato, um canto de sereia que pertence à ideologia do novo império
–aquele que seduz para destruir.
Há aqueles que desejam um outro mundo e que buscam, com esperança,
lugares, pessoas, idéias que sejam capazes de compartilhar denúncias
deste caminho letal, que ilude e destrói, que submete as pessoas
à opressão e tirania disfarçadas em discursos modernos
e naturalizados. Este império da hipocrisia, da exploração
humana, das injustiças, mentiras e desigualdades, da ambição
e do consumismo, da lógica economicista e utilitarista, onde o
“ter “ aparece como condição de ser, pode ser
substituído por um novo modo de viver, onde as pessoas estejam
livres e conscientes de seu poder na construção da história,
sem submissão, alienação e fatalismo.
A vida consiste em uma sucessão de ações e experiências
de sentido e coerência que se estabelecem de acordo com os valores
que norteiam as ações no mundo, para as quais devemos nos
voltar conscientes e ativos, reconhecendo o que cada elemento do cotidiano
tem e traz para seu desenvolvimento. A situação social do
mundo está ameaçando o futuro de toda a vida. Isto pode
parecer muito óbvio, mas é preciso que seja assim? Esta
pergunta nos leva a refletir, que as pessoas, de maneira perigosa, iludem-se
ignorando aquilo que está em seu caminho como se fosse obvio e,
por isso, natural. É preciso ver dentro e através da realidade.
O entendimento dos acontecimentos sociais traz em si uma dificuldade –a
nossa incapacidade em perceber, de fato, o que está acontecendo
à nossa volta. Nossa capacidade de entender a história é
limitada e, muitas vezes fora do nosso alcance, por isso a necessidade
de relações sociais favorecedoras de um desenvolvimento
consciente e livre de todos e de uma mediação entre os diferentes
contextos. Pode-se pensar que, para se transformar o mundo, é preciso
mais do que um trabalho de mudança nos níveis extremos destes
sistemas (indivíduos ou estado), as mudanças mais significativas
tem sido as súbitas, radicais, estruturais e qualitativas que surgem
em níveis intermediários, ou seja em espaços do coletivo,
como por exemplo, as instituições e os movimentos sociais
que alteram estruturalmente as relações sociais, a vida
cotidiana e portanto os indivíduos.
A Psicologia passa a ter, então, um lugar privilegiado na compreensão
e no acompanhamento destas mudanças. Adquire uma responsabilidade
de se constituir de forma crítica por, exatamente, propiciar que
as pessoas possam ter clareza da história. Para Martín-Baró,
trata-se de dispor o conhecimento psicológico a serviço
da construção de uma sociedade, onde o bem estar de uns
poucos não se assente sobre o mal estar, a desgraça e a
tragédia na vida dos demais, onde a realização de
uns não requeira a negação dos outros, onde o interesse
de poucos não exija a desumanização de todos.
A liberdade é valor a ser buscado pela práxis da libertação,
que procura o sentido da vida sem medo, sem brutalidade, sem exploração
de um homem sobre o outro -libertação da consciência
e da sensibilidade, como força para a transformação.
Nesta perspectiva, Ignacio Martín-Baró, jesuíta e
psicólogo social, nos contempla com sua proposta crítica
de Psicologia Social –a Psicologia da Libertação,
especialmente voltada à vida das maiorias pobres e oprimidas–
um compromisso ético e político com a existência de
um coletivo. Esta visão comprometida com as maiorias e disseminada
no bojo de um movimento de libertação da América
Latina, culminou com a morte de seus pensadores de forma violenta. Na
madrugada de 16 de novembro de 1989, homens vestidos com uniformes militares
invadiram a residência dos jesuítas no campus da Universidade
Jose Simeón Cañas (UCA) em El Salvador e exterminaram seis
professores, dentre eles, Ignácio Ellacuria e Martín-Baró,
além de duas mulheres que trabalhavam na casa. Aos brados de Isso
é uma injustiça, Martin-Baró faz ecoar por sua morte
a responsabilidade ético-política que temos todos, os que
convivemos com as desigualdades e injustiças sociais. Ao lado de
outros que juntos procuravam encontrar um caminho para a libertação
do povo latino–americano, este psicólogo deixou para nós
uma direção de vida... de trabalho... e de compromissos.
A construção de um homem novo para um mundo novo, inspirada
pelas idéias da Psicologia da Libertação, passa necessariamente,
antes de tudo pela sua própria reconstrução teórica
e prática, tendo como referencia a vida do próprio povo,
de seu sofrimento, suas aspirações, seus dilemas. O esforço
em desenvolver uma psicologia para a América Latina, significa
não apenas uma tarefa teórica, mas, sobretudo, prática
-um serviço que atenda às necessidades da maioria da população.
Os reais problemas devem se constituir como objeto de estudo e de trabalho
dos psicólogos latino-americanos. Neste sentido a miséria,
a opressão, a dependência, a marginalização,
a existência desumana são razões para o trabalho do
psicólogo em busca deste novo mundo.
As pessoas precisam ser agentes de suas próprias existências,
libertando-se das estruturas sociais que continuamente as oprimem. Esta
é a preocupação e o esforço da Psicologia
da Libertação –um compromisso ético e político
com as pessoas que sofrem o impacto de condições sociais
e econômicas injustas sobre suas vidas. Para uma Psicologia da Libertação
é necessário que possamos nos envolver em uma atividade
de transformação da realidade, que nos permita uma crítica
do que nos têm sustentado, enquanto conhecimento e o que nos orientará
para as respostas que buscamos. Somente pela participação
ativa conseguiremos uma ruptura com esta vida –da dominação
para a solidariedade, da submissão para a emancipação,
das prisões e amarras que nos impedem de estar no mundo transformando-o.
Para se desnudar esta nova forma de imperialismo que penetra no cotidiano
de cada vida é preciso uma força libertadora que vem de
dentro e de todos, que se manifesta pelo repúdio e pelo clamor
dos dominados.
A Psicologia da Libertação tem urgências... pois ela
surge em meio à necessidade de dar respostas para uma realidade
destroçada pela dominação e violência, cotidiano
de vida para a América Latina e outros países pouco desenvolvidos.
Subserviente e escrava de teorias e interesses dos Estados Unidos e Europa,
deve se libertar por primeiro da realidade social de outros países
buscando um novo objeto de estudo, uma nova epistemologia e uma nova praxis,
tornando-se uma ciência e uma profissão relevante para sua
realidade social.
Ao recobrar a memória histórica das maiorias, contribui
para impedir o solo fértil do fatalismo e da alienação
que permitem a exploração e o colonialismo. Isso se alcança
pela desideologização da vida cotidiana, ou seja, favorecer
a participação crítica na vida, especialmente daqueles
que são vítimas da opressão e que sobrevivem... por
fim, descortinar o potencial, a semente forte que pode nascer em cada
um e no coletivo de uma comunidade... a esperança para quem resiste.
Buscando disseminar e manter vivas as idéias da Psicologia da Libertação
foram organizados seis Congressos Internacionais de Psicologia Social
da Libertação. Em novembro de 2005, Costa Rica será
a sede do VII Congresso . Para maiores detalhes, entrar em contato com
Professor Ignácio Dobles, da Universidad de Costa Rica, pelo email
idobles@cariari.ucr.ac.cr
|