Agenda Latinoamericana’2002, páginas 226-227

 

 

 

 

Reduzir o custo... ou patentear a injustiça

José Antônio Lobo

 

 

 

No dia 25 de Novembro de 1997 no Sul da África foi promulgada uma lei que permitia a circulação dos equivalentes genéricos dos medicamentos patenteados pelas grandes empresas farmacêuticas.

A razão era diminuir o preço dos medicamentos necessários para combater as enfermidades como no caso da AIDS, e outras doenças que fazem estragos neste país, pois os preços dos medicamentos patenteados estão fora do alcance do poder aquisitivo da maioria dos sul africanos.

Para citar só alguns exemplos das diferenças entre medicamentos genéricos e os patenteados, a mefloquina, que se vende patenteada por 37  dólares nos Estados Unidos, pode ser vendida quando não está com sobretaxa, pelo preço da patente, vendida a  4 dólares, e o preço do AZT, para o tratamento contra a AIDS, passa de 239 dólares para  48 dólares.

Diante destes dados surge a pergunta : porquê existe esta diferença nos preços? A resposta é que se trata de uma conseqüência do atual modelo econômico, no qual o valor de um produto depende mais do conhecimento incorporado, de que são expressão as patentes, que dos fatores tradicionais da produção: custo da matéria prima, da mão de obra, etc.

Diante desta lei a Indústria Farmacêutica do Sul da África logicamente (segunda a lógica do mercado, naturalmente), clamou aos céus e apresentou uma denúncia contra esta lei. O juízo para dirimir este litígio entre o Governo do Sul da África e a Indústria Farmacêutica ia acontecer no dia 18 de abril do corrente ano, mas finalmente a denúncia foi retirada e a lei pode ser aplicada, beneficiando com isto os enfermos de AIDS e de outras enfermidades que padecem os pobres e que podendo ser curadas ou aliviadas, deixavam de ser atendidos pela impossibilidade de ter acesso aos medicamentos correspondentes.

No dia 18, um grupo de pessoas, em boa parte vinculadas à Rede África-Europa, Fé e Justiça ( AEFJN), convocadas pela Intermón-Oxfam, fizeram manifestações diante da sede de uma destas empresas implicadas no conflito, a Glaxo, localizada em Três Cantos Madrid. Fez-se presente a imprensa a qual havia sido convocada, com a finalidade  de deixar claro  o sentido do protesto e do que se pedia às empresas farmacêuticas; a retirada da denúncia foi atendida pelo Diretor de Comunicação da Glaxo, que saiu para escutar a reivindicação dos manifestantes. Este gesto não era nem o primeiro nem o único, pois foi precedido de uma campanha prévia a favor de uma lei que favorecia aos pobres, defendida pelos implicados na manifestação e outras organizações, como Médicos  Sem Fronteiras, que organizou uma campanha neste sentido através da Internet.

Junto à alegria que produziu em nós esta espécie de nova vitória de "Davi sobre Golias"-pois todos estamos conscientes do enorme poder que têm as multinacionais- a campanha e seu resultado nos trouxe uma dupla reflexão. Primeira, a causa da luta contra as injustiças e a favor da libertação dos pobres não está perdida e a união entre todos os que cremos nela é também um poder, que é possível usar o serviço da mesma. E, a segunda, que este conflito não é isolado, mas que é expoente e sintoma de outro conflito mais profundo e global: aquele que enfrenta uma minoria de poderosos que, com a lei a seu favor, tentam manter e inclusive incrementar seus privilégios, ainda que seja a custo da vida dos pobres que são  maioria a nível mundial.

Estas reflexões parecem-nos procedentes, primeiro porque põem em destaque que a luta não terminou, pois na causa da justiça e da libertação dos pobres há muito caminho por percorrer e, segundo, que o triunfo desta causa não é fácil, nem está próximo de ser realizado, mas é possível. Esta verdade se converte especialmente em certeza para os cristãos que queremos seguir a Jesus e continuamos sua Causa, que foi e continua sendo a causa dos pobres, contra a injustiça e morte.

 

 

 

Para entender o tema das patentes

 

Ação sobre o ADPC ( Acordo sobre os Direitos da Propriedade Intelectual do Comércio).

As pautas da Organização Mundial do Comércio (OMC) situam o comércio e o interesse das sociedades internacionais acima do bem público. Aumentam a separação entre as nações ricas e pobres e ameaçam a vida e a saúde dos pobres.

O Acordo do ADPIC da Organização Mundial do Comércio (OMC), obriga a seus membros (a maioria dos países africanos) a outorgar patentes a toda "invenção", incluídos os medicamentos, os microorganismos (proteínas, genes, bactérias...), as plantas geneticamente modificadas, etc. Isto quer dizer que "o inventor" ou o "manipulador dos genes" obtém o monopólio da comercialização e da distribuição do produto patenteado, durante 20 anos.

O ADPIC é desfavorável à África porque:

As patentes dificultam o acesso aos medicamentos. As patentes dificultam o acesso aos alimentos e às sementes e destróem a segurança alimentícia. As sementes compradas não poderão ser semeadas novamente, nem vendidas.

As patentes ameaçam a biodiversidade e favorecem a biopirataria.

As companhias limitam as variedades de sementes e utilizam as plantas e os conhecimentos tradicionais, sem compartilhar os benefícios com as comunidades de origem.

O registro de uma patente custa caro. Unicamente as grandes companhias podem obtê-lo.

Este sistema favorece as plantas geneticamente modificadas (GM).

Sua introdução pode-se tornar desastrosa à biodiversidade e para uma agricultura duradoura.

Este sistema favorece aos produtos de substituição, o que pode levar a uma diminuição das exportações africanas.

Para obter maiores informações sobre este tema: www.msf.es

 

Fonte: Boletim UMOYA, 16 (maio)