Menção de Honra do Concurso de «Perspectiva de Gênero em Dessenvolvimento Social»,
com o tema específico da «A equidade de gênero ante a globalização».
Patrocinado pelo Centro de Educação e Comunicação CANTERA
e a Agenda Latino-americana.

 

A equidade de Género frente à Globalização

Licinia Sofia MONIZ D'ALVES


   
 

Que adianta ao [indivíduo] ganhar o
mundo inteiro, perdendo-se e destruindo-se a si mesmo?”
(Lc. 9, 25)


“Não se nasce mulher/homem, se chega a Ser-lo.”
(Simone Beauvoir)


   
 
Hoje, na sociedade “globalizante”, em que existe a livre circulação de bens e de indivíduos, que fomenta a expansão da democracia e ao mesmo tempo e paradoxicamente, põe em evidencia os limites das estruturas democraticas habituais. Nesta sociedade na que se diz que todos os entes são livres e com direitos iguais; nesta surgen, desde da sua base gritos provenientes dos excluidos, dos que ficam e estão à margem desta sociedade que engloba. Mais que nunca se escreve, se fala, se exige liberdade, neste mundo global em que tudo é livre.
A globalização está estruturando de forma profunda nosso modo de viver e principalmente nosso modo de pensar. Esse modo que nos leva a resignar aos globalizados-incluidos-conectados, isto é, o hemisferio norte-ocidental-masculino, como a maioria, os que têm pleno direito e constituem a norma e o modelo. Esta sociedade que ainda hoje, se estrutura com os mesmo critérios sociais que os da antiga cultura greco-romana, em que o “homem de pleno direito” é o homem, masculino adulto, culto (classe media/alta) e branco.
A globalização conjuga-se com a politica do neoliberalismo e ao “banquete neo-liberal” nem todos estão invitados. Ficam excluidos do “banquete” todas as outras étnias, razas e culturas que não sejam a do “homem de pleno”. Fica de fora, principalmente a outra parte da Pessoa, o mundo do feminino.
Além da exclusão e da destruição da Pessoa e do ecossistema, existem outras consequências da globalização: a desintegração e a fragmentação religiosa e espiritual da sociedade (mercado religioso, onde cada qual pode “comprar” a religião e a espiritualidade que mais gosta).
Globalização destruidora das culturas e identidades locais. Espirito consumista e materiarialista que desintegra a Pessoa. Absolutização dos valores de eficiência e compitividade. Individualismo radical. Aplastamiento do ser humano como sujeito, em sua corporidade e sua sujectividade.
A antropologia do neoliberalismo é a corrente de pensamento que domina e caracteriza a sociedade “globalizante”. Esta antropologia está enraizada nos valores patriarcais em que o homem-individual é o centro de tudo. Centro de si mesmo, centro da relação com os demais e da relação grupal, e centro da sociedade. Tudo surge do indivíduo e debe estar em função do indivíduo. Esta corrente realza a autosuficiente (a mínima necessidade dos demais é só por utilidade), a relação competitiva e o individualismo possessivo.
A imagem do homem-individual é a de um ser “universal”. Em todos lugares do mundo os indivíduos são “iguais”, não no sentido de uma “igualdade de direitos”, se não no sentido de que nem o lugar geográfico no que vive, nem a cultura da que pertence, o configura em modo algum.
O facto de que o neoliberalismo seja o novo rosto do patricarcalismo faz com que a sociedade tenha dois mundos, duas realidades, duas perspectivas. Ou melhor, um mundo dominante e um mundo dominado, mas que se mostra como uma só face, a face do dominante. Um mundo herarquizado e dividido por género, em que o género masculino é o dominante sobre o femenino que é o dominado.
O mundo masculino, o dominante, foi ao longo dos séculos positivamente valorizado como sendo aquele que tinha as capacidades de liderança, de eficiência, de exercício do poder. O mundo dos independentes, dos racionais, da individualidade, do social, dos mais aptos, dos cultos, dos fortes, isto é, o mundo atribuido ao papel do homem, que era visto como o humano por excelência. O mundo feminino, pelo contrario, ao longo do desenvolvimento ontogenetico era visto como o mundo inferior, débil, frágil, domestico, privado e dependente. O mundo que se aproximava mais à naturaleza, aos instintos, às emoções, ao mundo dos rasgos não masculinos que eram atribuidos ao papel da mulher.
Assim a sociedade da globalização não é um sistema (um sistema relacional, de interdependencia), como seria de esperar e que aparentemente faz crer, é sim uma estructura piramidal em que a base vive debaixo das definições sociais que as elites dominantes impõe.
A estrutura neoliberal faz da igualdade entre os dois géneros seu lema chave. Contudo essa igualdade leva à negação e à perda da identidade feminina, para uma construção de uma identidade androgenica que tem orientações de fundo masculinas, pois a igualdade é sempre em “comparação a”. O igualitarismo nunca conseguirá fazer justiça às mulheres porque homens e mulheres não são iguais.
Pelo contrario a equidade entre os géneros é a unica resposta frente à globalização na medida em que a equidade permite que não haja uma dominação e uma sujeição, pois todos os sujeitos têm o mesmo valor. Equidade vista como um modelo general de relação reciproca entre indivíduos que se reconhecem mutuamente em suas diferenças. Assim ao facto diferencial de ter um ou outro sexo, de ser de uma ou outra raza, de ter mais o menos força física, não segue lógicamente a necessidade de um trato desigual entre os sujeitos assim diferenciados.
Esta relação de equivalencia faz que todo um mundo imerso, reijeitado e silenciado, o mundo feminino, surja dando voz a todos os mundos excluidos. Esta equidade permite que as definições sociais não sejam impostas pelas elites dominantes se não que sejam orientações que nascem desde as necessidades da base, fazendo com que seja uma visão desde baixo para cima. Ou melhor uma sociedade sistémica como um organismo unificado em que no centro se encontram os empobrecidos/excluidos que não deixam esquecer o valor da pessoa, como um coração de onde parte o sangue e para onde este volta. Uma sociedade sistémica que viva num processo de humanização com o objectivo de ser Persona na sua essência relacional. A equidade reivindica uma “igualdade entre” e para lutar fazem falta meios de luta, ou seja, é necessario o exercício do poder por parte dos desiguais, para que se lhes reconheçam tal exercício do poder. A equidade nos levaria à equipotencia donde ninguém prevaleceria sobre ninguém, nem ninguém poderia oprimir a ninguém, posto que teria tanta capacidade e afectar ao outro como de verse afectado.
A equidade assim, permitiria passar de uma vida ao serviço da economia a uma economia ao serviço da vida, em que o Bem Comum prevaleceria sobre o bem individual.

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