Afrodescendentes novos/as para o outro mundo possível

Frei David Raimundo DOS SANTOS

 

   
 

A comunidade afrolatinoamericana e caribenha vive uma fase radicalmente nova no cenário da Pátria Grande. O sangue dos(as) Mártires Negros/as está fazendo brotar novas energias de consciência e de ação na vivência deste povo, que querem ser um basta aos séculos de escravidão, marginalização e exclusão. A juventude, sobretudo, se mobiliza nos mais variados setores da vida, recuperando e realizando sonhos acalentados, na clandestinidade talvez, pelos seus antepassados e renascidos hoje nas novas veias quilombolas, com novas características.
Quais são estas novas características?


1-Um olhar crítico da história. A juventude afrodescendente olha a história de suas vidas e das vidas de seus pais, negando-se a aceitar a história oficial e rejeitando o determinismo de um sistema que só os valorizaria se pudessem entrar, como privilegiados, “no mundo do ter”. Poderiam continuar “sendo negros/negras” somente se “tivessem” o bastante...


2-Uma nova compreensão da presença e das exigências do Espírito. Há um senso de Justiça que os atrai. Entendem que justiça é a nova e determinante ação para se atuar eficazmente e para responder basicamente ao Espírito de Deus na história dos pequenos. Um senso de Justiça que se traduz, com ações afirmativas, em várias novas formas de serviço e na partilha da terra, do pão, da educação, da festa. Ombreando com todos os pobres querem construir a inclusão: os excluídos do sistema são os incluídos do Reino.


3-Um novo macro-ecumenismo no ser e no fazer. Esses jovens afrodescendentes estão descobrindo os limites das Igrejas tradicionais como espaço integrador da diversidade. E eles querem interagir na diversidade eclesial, captando e partilhando o que cada expressão religiosa tem a oferecer, sempre possibilitando a inculturação afro como contribuição ao pluralismo da comunidade mundial.


4-Revisão da Ideologia cultural. Eles sentem em carne viva o poder avassalador da ideologia cultural dominante e reivindicam os espaços que possam garantir sua culturalidade grupal, herdada da raiz paterna e materna afincada na África e transplantada na Afroamérica.


5-Intuição além da instituição. Há uma crítica forte à Instituição como algo pesado, culturalmente parcial, comprometido com interesses anti-Reino. Abrem-se para o dinamismo da intuição como algo provocante e construtor do novo e solidário, vindo das entranhas dos Quilombos. Questionam e buscam o equilíbrio entre a instituição e a intuição. Querem a vida, a doação voluntária, o viver na transparência, próprios de um Deus inculturado em cada pessoa e em cada povo.


6-Construção de redes de solidariedade. Essa juventude está apaixonada por novas formas de solidariedade em rede, que gerem educação alternativa, que zerem a fome, que multipliquem a paz da convivência e os frutos gratuitos da alegria.


7-Mística num contexto teimoso de Esperança. As adversidades não são barreiras intransponíveis. Há uma mística do axé, que é força de dignidade e de paz. A nova juventude quilombola marca seus passos num ritmo de atabaques de esperança. Eles e elas somam-se em grupos de ação e reação, com visão e revisão. Vivem, trabalham e rezam com força encarnada, nos textos e pretextos impostos pelos dominantes, transformando-os em propostas de libertação, em material de construção do grande quilombo da Sociedade nova.


Resumindo: Na recuperação da sua identidade, o Povo Negro, sobretudo a juventude, ama sua afrodescêndencia e faz dela motor propulsor para vencer os desafios da modernidade. Reveste-se de intuição, recupera a cultura específica como presente recebido de Deus, usa a linguagem pluri-religiosa, compreendendo que o Reino vem para fazer nascer uma nova historia de vida para todos e todas, de alteridades em liberdade e comunhão, de universal inter-solidariedade humana.

 

 
*Franciscano, Teólogo, especialista em Liturgia Inculturada e em Ações Afirmativas para excluídos
 


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