Agenda
Latinoamericana’2002
pág.
140
ÁFRICA: Um
barco à deriva?
Comitê de Solidariedade
com a África Negra. Madri
África
é um continente formado de 53 países independentes, 60
milhões de km2 e 800 milhões de habitantes. Encontra-se
localizada no sul da Europa, separada apenas por 14 quilômetros do mar
Mediterrâneo, à altura do Estreito de Gibraltar. Esta é a
geografia da África.
Se nos
aproximamos da África humana, os dados são estarrecedores.
É o Continente
com mais
guerras
com maior
número de países empobrecidos
com maior
número de refugiados
com maior
número de casos de aids
com mais
analfabetos
Se nos
fixarmos nos recursos, comprovamos que é um Continente:
com imenso
recurso petrolífero
com as maiores
reservas do mundo de ouro, diamantes, urânio, cobalto, tungstênio,
cobre, volfrâmio...
Se nos
fixarmos no aspecto político, deparamos com um Continente onde convivem:
monarquias
tradicionais ( Marrocos, Lesotho e Suazilândia)
ditaduras
militares terríveis (os dois Congos, Sudán, Burundi, Ruanda,
Uganda, Eritréia, Etiópia)
ditaduras
militares disfarçadas de democracia mais ou menos representativa (Egito,
Túnisia, Líbia, Guinéia Equatorial, Serra Leoa,
Mauritânia, Libéria, Gâmbia, Ângola, Chad, Nigéria,
Togo, Namíbia)
democracias
frágeis (Costa do Marfim, Zimbabue, Zâmbia, Malalui,
Camerún , Burkina Faso)
democracias
consolidadas (Botsuana, Senegal, Tanzânia, Sul dÁfrica, Benin,
Cabo Verde, Nigéria, Ghana.
Neste
continente tão díspar e "balcanizado", há uma
constante em seus poucos mais de sessenta anos de independência: as
guerras. Nem um só ano conseguiu o Continente desfrutar da paz, desde
que foi produzido o denominado "boom" das independências, em
1960. Têm havido guerras de diferentes formas: anticoloniais ( as mais
cruéis foram as da Argélia e as das colônias portuguesas,
Angola e principalmente Moçambique) e civis. E por trás de todas
estiveram sempre os países ocidentais, como provocadores e provedores de
armas pela mal denominada "guerra fria", que favoreceu a
implantação de regimes militares, a formação de
grandes exércitos e uma corrida desenfreada na compra de armas dos
antigos países do Este e do Ocidente.
As guerras
e o militarismo são os responsáveis, em boa parte, pelo
empobrecimento dos povos africanos e a causa principal dos refugiados e
despatriados. A isto acrescenta-se a dívida externa e as injustas leis
do comércio internacional e teremos o panorama completo dos motivos que
fizeram da África o Continente mais empobrecido do mundo.
Após
a queda do Muro de Berlin, em 1989 nasceu novamente a esperança. Mas a
ilusão durou muito pouco. Nos anos 90 desataram-se na África mais
guerras que nunca e com mais furor, guerras que tiveram seus cenários mais virulentos, na
Somália, Ruanda, Burundi, Sudão, Angola, Libéria, Serra
Leoa, Guiné-Bissau, Chad, Eritréia, Etiópia e
República Democrática do Congo.
No momento
de redigir estas linhas há na África as seguintes guerras civis:
Angola, Sudão, Somália, Serra Leoa, norte do Chad, norte de
Uganda, Burundi e, sobretudo, a República Democrática do Congo.
O que
há detrás de todas estas hecatombes humanas? Durante os anos da
guerra fria, observava-se nos conflitos africanos uma luta ideológica,
sendo a maior parte das vezes fruto de um nacionalismo necessário,
sufocado sempre pelas potências colonizadoras. Inclusive quando aconteceu
a independência política, feita para dominar melhor
economicamente. Hoje sob estes conflitos abertos escondem-se espúrios
interesses financeiros. As guerras de Serra Leoa, Angola e Congo, por
causa dos diamantes,
controlados pelas grandes mafias de pedras preciosas, de que fazem parte muitos
dirigentes africanos. Estes "senhores" das guerras são simples
saqueadores dos recursos nacionais, para financiar a compra de armas e engordar
suas contas bancárias. São uma reencarnação dos
ladrões do velho Oeste norte-americano, amparados pelas
máfias internacionais. Os
diamantes e os minerais estratégicos provocam e alimentam guerras que
estão afundando na miséria os países potencialmente
ricos.
O
silêncio que pesa sobre esses conflitos deve-se a que não se corre
nenhum perigo em escala internacional. Tudo está controlado para que
não afetem a globalização da economia, nem as novas
tecnologias. Ainda que isto suponha a destruição ambiental e
humana da África. Romper este silêncio, para não ser
cúmplice desta hecatombe que sofrem os povos africanos, é hoje um
dos grandes desafios que têm os homens e mulheres de boa vontade.
O horror
dos Grandes Lagos
Uma das
guerras onde aparecem de uma maneira mais visível o neocolonialismo, o
mercado de armas e a exploração de matérias primas
é a que acontece na República Democrática do Congo (antigo
Zaire). No coração dos Grandes Lagos foi oferecido apoio
bélico a 9 países africanos, que apoiam com seus exércitos
o Governo central (Zimbabue, Angola e Namíbia, e em menor escala Chad,
Líbia e Sudão) ou os movimentos rebeldes (casos de Uganda, Ruanda
e Burundi). O resultado foi uma ocupação do território
congolês, onde se luta e ao mesmo tempo explora-se os recursos minerais,
sob a supervisão das multinacionais.
Os danos
causados no país são terríveis: dois milhões de
mortos, dezenas de milhares de despatriados, aumento das enfermidades com aids
e malária, violação sistemática dos DDHH,
genocídio de grupos humanos, diminuição da
produção de grãos na região de Kivu,
criação de milícias com meninos soldados...
O
silêncio cúmplice da comunidade internacional fez expandir o
conflito, devido aos interesses econômicos. França, EEUU,
Bélgica e Canadá estão apoiando com armas e militares o
conflito dos Grandes Lagos, onde prevalecem regimes com férreas
ditaduras militares.
Em
nenhum dos países que
integra a região dos Grandes Lagos existe sistemas democrátricos;
pior ainda, em todos eles violam-se os DDHH com grande sanha . Em Burundi e
Ruanda, por exemplo, uma minoria racista excluiu a maioria dos estudos
superiores.
A
República Democrática do Congo é atualmente o único
país do mundo ocupado militarmente por países vizinhos. Neste
país temos que destacar como elemento positivo a criação
da população civil, que se organizou para gritar não
à morte. A figura do Mons. Christophe Munzihirwa, assassinado em outubro
de 1996 por suas denúncias proféticas, estão servindo de
referência para muitas comunidades cristãs que desejam ser
construtoras de um futuro cheio de esperança e de justiça.
Há
quem diga e talvez não esteja sem razão, que a aids é a
arma que mais mata na África e o método de freiar a natalidade no
Continente. Os dados são terríveis. 75% dos 34 milhões de
enfermos de aids que há no mundo são africanos, cada ano nascem
no mundo 600.000 meninos soropositivos , e 90% são africanos, a aids
gerou no mundo 11 milhões de órfãos, em sua grande maioria
africanos. O problema dos órfãos é novo na África,
pois antes eram "reabsorvidos" pelo clã, hoje são
muitos que não podem ser atendidos pela família, sobretudo tios e
avós.
Em muitos
países, sobretudo na África Austral, a aids é a maior
causa de mortalidade e a esperança de vida ao nascer diminuiu de 60 a 40 anos. O drama é
particularmente grave no Sul da África, o país tem mais enfermos
de aids em todo o mundo: mais de 4 milhões.
A
população africana mais afetada pela aids é a que
está entre 18-45 anos, isto quer dizer, que
deveria contribuir de forma insubstituível ao desenvolvimento do
Continente. As migrações para zonas urbanas ou para onde se
necessita de mão de obra (as minas do Sul da África, o
cinturão de cobre em Zâmbia, as plantações da Costa
do Marfim, etc.) são motivadas pela pobreza do mundo rural, em sua
maioria são jovens os que emigram, regressarão a suas casa,
depois das colheitas ou alguns anos e alguns o farão contaminados pelo
HIV. As guerras facilitam igualmente a propagação da aids.
Ao se tratar de países empobrecidos, os Estados africanos não podem custear os caríssimos medicamentos para tratar da enfermidade e são poucas as pessoas que podem pagá-los de seu próprio bolso. A falta de higiene e de informação são os fatores que desencadeiam a aids, mas a avareza dos grandes laboratórios, que se negam a permitir que os países do Terceiro Mundo fabriquem medicamentos genéricos, constitui a causa última que condena à morte milhões de africanos.